Hoje primaverou
E Londres nunca esteve tão bonita desde que cheguei. À hora de almoço, em vez de engolirem à pressa uma sandes, sentadas à secretária, as pessoas foram para o parque. Tudo estava colorido e luminoso. Por momentos acreditei que a cidade era genuinamente colorida e luminosa. Quem me dera que pudessem ter visto. Não: quem me dera que pudessem ter lá estado comigo.
Era como se hoje ninguém empurrasse ninguém para entrar a correr no metro quase a partir, mesmo sabendo que outro viria passado um ou dois minutos. Ou como se as adolescentes não se vestissem todas de igual e não carregassem sete quilos de maquilhagem para ficar com aquele aspecto vulgar que os rapazes, alcoolizados às oito da noite, gostam. Se vejo mais um par de leggings com uma túnica de grávida por cima e sabrinas fluorescentes a não condizer fico doente. E é impressão minha ou sou a única pessoa nesta cidade que não toca em drogas? Hoje parecia que os mais velhos eram ouvidos, respeitados e bem tratados e que os imigrantes eram simpáticos para os outros imigrantes. Hoje no parque não havia miúdos – crianças – de 15 anos a matar outras crianças de 15 anos. Nem gangs nos tablóides, porque hoje não havia tablóides. E não havia gente orgulhosa de ser ignorante ou ingleses que pensam que a Europa, que aqui não é de certeza, e porque não querem que seja, é uma praia no Algarve ou no Sul de Espanha. Não é por maldade, mas começa a ser um bocadinho irritante ouvir as palavras "Albufeira" e "Portimão" a seguir a “sou de Portugal”. Hoje as pessoas não andavam obcecadas com compras e com a sua própria vaidade. Nem passavam o dia a pensar no que fazer com todo o dinheiro que ganham sem grande esforço. Nunca estive tão fora de moda. Nunca me senti tão despreocupada com isso. Dá-me até um certo gozo. Preciso de um corte de cabelo. Mas acho que vou esperar pelas mini férias em Lisboa.
Hoje primaverou e as pessoas importavam-se, e queriam saber. Gostava mesmo que estivessem lá estado comigo.
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