O carteiro já não toca duas vezes
Quando estou sozinha em casa nem sempre abro a porta quando ouço a campainha. Às vezes, ok, na maior parte das vezes, nem me mexo. Eu sei, está errado. Reconheço. Mas os amigos já não tocam à porta quando chegam - dão um toque para o telemóvel - e a família e os vizinhos tocam sempre duas vezes. O mais provável é ser um daqueles chatos a dizer "publicidade, minha senhora" ou alguém a querer espalhar a palavra de Deus - não que eu tenha nada contra eles, mas a minha caixa de correio diz PUBLICIDADE AQUI NÃO e nunca achei muito bem que a palavra de Deus (seja lá quem ele ou ela for) fosse espalhada por intermediários, muito menos comuns mortais. Na melhor das hipóteses pode ser o carteiro, mas alguém há-de abrir-lhe a porta, não é? E de qualquer forma o meu carteiro vem sempre de manhã.
Portanto, quatro e meia da tarde e toque na campainha. Reacção como de costume, até porque estava de saída e com pressa. Não contava era com o senhor carteiro à porta do prédio do lado, de olhar repreensivo em cima de mim mal saio para a rua.
Disse ele:
- A menina mora neste prédio? Não ouviu a campainha? Ninguém me abriu a porta.
Mas parecia dizer:
- Que menina má! Então onde já se viu não me abrir a porta! Estou horas em pé ao sol e à chuva para lhe levar o correio a casa!
Ao que eu respondi:
- Ah, pois... cof cof. Não pude atender. Hã... estava de saída!
Sendo que devia ter respondido:
- Ouvi a campainha pois. Mas não abri a porta. Olhe, não me apeteceu, paciência! Já agora, não sabe o que é feito dos discos que encomendei da Amazon e que nunca chegaram?
...
Mesmo assim, fiquei cheia de remorsos.